Vocação e Mistagogia

O caminho formativo vocacional precisa ser entendido como uma autêntica mistagogia, visto que a pessoa do vocacionado está em busca de um encontro verdadeiro com seu próprio mistério de vida e identidade vocacional. Por esse motivo, quem se propõe acompanhar um jovem em sua trajetória, na busca de uma resposta autêntica, precisa atentar para sua história de vida inserida em um determinado contexto histórico, certo de que, mais cedo ou mais tarde, surgirá um questionamento existencial: __Qual é meu papel na construção de um caminho rumo à plenitude da felicidade, à qual todos nós somos chamados?

Diante desta interrogação, o orientador vocacional deve apresentar ao vocacionado, instrumentos que favoreçam o amadurecimento da consciência para uma liberdade autêntica diante da sua resposta. A vocação não é somente uma questão de escolha, é um compromisso com a opção fundamental à qual se é chamado. Essa opção está intrinsecamente relacionada ao projeto de Deus, que se faz presente no mistério da vida, enquanto vocação.

O método necessário num percurso de discernimento passa por um sincero diálogo com Deus e a paciente espera de uma resposta. Essa espera dinâmica pode ser encontrada nas diversas narrativas dos chamados bíblicos que acontecem em determinados momentos da história de cada um, concomitante com a realidade a ser transformada para o bem da humanidade. Para isso, precisa-se partir da própria história de vida, para chegar a uma integração de si mesmo, em determinada missão a ser realizada com alegria e liberdade, conquistadas na confiança em Deus que acompanha passo a passo o seu escolhido.

Percorrendo os chamados bíblicos, no Primeiro Testamento, encontra-se a vocação de Abraão e Sara que partem de suas seguranças para um lugar desconhecido, na certeza da bênção e proteção para todo o povo de Deus. O chamado feito a Abraão e Sara é fundante. Essa fé primeira alentará outras inúmeras pessoas, até chegar a Moisés que se deixa interpelar pela realidade ao seu redor e age a partir de uma íntima comunhão com Deus, em vista do bem e da liberdade de seu povo. Sucessivamente aparece Samuel,  que responde prontamente ao chamado amoroso de Deus.  Depois vem Jeremias, que descobre sua vocação mais tarde, revisitando sua própria história e narrando-a. Dessa forma, ele descreve seu chamado como algo visceral em sua vida, que o faz compreender que, caso não respondesse, estaria negando a si mesmo.

No Novo Testamento, os chamados são compreendidos a partir da nova Aliança que Deus faz com seu povo, na pessoa de seu próprio filho. Deus encarnado é quem chama seus seguidores para, com ele, participar na sua missão de servir às necessidades mais profundas do ser humano. Pode-se ter como modelo os primeiros discípulos que, independente da sua condição, deixam seus projetos pessoais, suas seguranças, e assumem o caminho proposto pelo Mestre Jesus de Nazaré. E também Paulo Apóstolo, um jovem convertido do judaísmo, depois de uma experiência direta com Jesus Ressuscitado.

É indispensável a toda pessoa, diante de uma escolha vocacional, procurar orientação para poder encontrar-se com o próprio mistério e a resposta, em busca da plenitude da felicidade à qual toda pessoa é chamada.

Seja terapêutica, espiritual ou formativo-pedagógica, uma relação de ajuda deve ser orientada para o crescimento integral da pessoa que pede ajuda, para evocar potencialidades que favoreçam o encontro com a própria verdade e o projeto de Deus para ela.  O importante é não perder de vista a pessoa como mistério, que possui a grande capacidade de crescimento e busca de autenticidade, com maturidade, na opção a ser feita.

Diante dessa proposta formativa, pode-se delinear um itinerário pedagógico-formativo em vista do despertar, discernir, cultivar e acompanhar a vocação à qual cada pessoa é chamada em sua vida.

Etapas do Itinerário Vocacional

A palavra “itinerário”, de raiz latina (iter), faz pensar, por si, em uma caminhada bem determinada com metas claras, com passagens intermediárias, e indicações oportunas para chegar à meta desejada.

Nas diretrizes básicas (Doc CNBB n°55) as etapas indicadas são quatro:

“Despertar para a vocação Humana, Cristã e Eclesial; discernir os sinais indicadores do chamado de Deus; cultivar os germes da vocação e acompanhar o processo de opção vocacional consciente e livre” (n° 27).

 

  • "A vocação... surge antes do que o sol, e a pessoa de fé obediente começa a procurá-la desde a manha, para aderir a ela com todo o seu coração." Amedeu Cencini
  • "A vocação... surge antes do que o sol, e a pessoa de fé obediente começa a procurá-la desde a manha, para aderir a ela com todo o seu coração." Amedeu Cencini
1ª Etapa- Despertar

É importante que cada pessoa tome consciência de que não é inútil neste mundo, não nasce, vive e morre por acaso. Há um mistério de vocação na vida, uma missão pessoal, própria de cada um, que Deus preparou e confia aos filhos e filhas, visando sua melhor realização e um eficaz serviço ao mundo. A etapa do despertar é dirigida especialmente aos adolescentes e jovens, que se deparam com o projeto de Jesus e a proposta que ele faz individualmente a cada um, partindo de sua história de vida e compromisso na vida cristã. Esse despertar acontece, quando o vocacionado encontra testemunhos de alegria no seguimento de Jesus, nas várias vocações existentes no seu convívio, seja na família ou na comunidade de fé.

 

2ª Etapa – Discernir

Após o despertar, é hora do discernimento, onde a pessoa precisa buscar dentro de si mesma as reais motivações para responder às inquietudes do seu coração. Nessa etapa, a presença de um orientador se faz indispensável, em vista de um confronto sincero e realista de si mesmo com a opção de vida que demonstra querer assumir para toda a vida. É imprescindível, nessa etapa, um profundo encontro com Deus na vida de oração.

É a tomada de consciência da realidade-mistério de sua vocação. Deus Trindade a chamou à vida e a chama ao seguimento de Jesus, visando a colaboração no seu projeto de salvação. È necessário que as diferentes vocações da Igreja (leigos, consagradas e sacerdotais) sejam apresentadas “honestamente” aos jovens, sem cair na tentação de orientar cedo demais para uma vocação específica.

O guia pedagógico de pastoral vocacional da CNBB indica quatro condições que ajudam no discernimento.

Atitude de escuta e de fé

Escuta que supõe e aprofunda a fé, torna-se sempre mais abertura ao mistério da presença de Deus na vida de toda pessoa chamada, e ajuda-a a compreender-se como mistério para si mesmo, mistério esse que, aos poucos, vai dando sempre maior espaço para a ação de Deus.

Inserção numa comunidade eclesial

O cristão, sobretudo o jovem e a jovem comprometido com a comunidade, encontra na vida da Igreja uma oportunidade de servir, colocando suas capacidades num dinamismo missionário.

Busca da maturidade humana

O guia pedagógico apresenta a maturidade como sendo uma condição importante para garantir a opção fundamental do jovem vocacionado. O desenvolvimento equilibrado e integrado dos principais aspectos da personalidade implica em uma constante atenção ao seu mundo emocional, intelectual, social, moral e espiritual.

Motivações vocacionais

Do ponto de vista vocacional, a motivação é um conjunto de fatores humanos e espirituais, que determina a opção, predispõe a pessoa do chamado para uma resposta que a faz justificar os valores e os porquês. Nesse âmbito, o serviço do acompanhante será esclarecer as motivações presentes no processo de discernimento, no intuito de aprofundá-las, purificá-las e amadurecê-las.

 

3ª Etapa- Cultivar

É uma etapa do Itinerário vocacional que foi inserida, desdobrando a segunda nos últimos documentos ( Doc. 55,n° 27).

“Cultivar os germes da vocação”.

O acompanhador vocacional deve estar atento para que os três aspectos da pessoa: humano, cristão e vocacional, possam crescer e garantir sempre mais um amadurecimento dos seus frutos. Cultivar os aspectos humanos (afetivos, intelectuais e volitivos), ajudar a crescer na fé e no amor a Cristo, implica em um compromisso diante da responsabilidade do vocacionado, rumo a uma definição vocacional a ser assumida para toda a vida.

 Toda vocação nasce de um encontro pessoal, vivo, autêntico com a pessoa de Jesus Cristo, um encontro que pode decidir uma vida. Implica em descobrir Cristo vivo, perceber nele um modelo de vida plena e deixar-se “seduzir” por Ele. Desta experiência brota o apelo a uma sequela para a doação gratuita da própria vida.

 

4ª Etapa – Acompanhar

O acompanhamento é a parte conclusiva do processo de opção vocacional. Preparado pelas etapas precedentes do Itinerário, o vocacionado é chamado a escolher aquela vocação que descobre como proposta específica de Cristo para sua vida.

Nesse processo, o acompanhador deve, sobretudo, garantir sua presença ao lado do vocacionado numa ação pedagógica.

Diante disso, pode-se dizer que, vocação e mistagogia devem caminhar juntas, numa busca sempre maior de proximidade ao mistério de um indivíduo concreto, que Deus chama por uma via sempre particular e única, através de uma série de escolhas que estruturam a sua condição de vida (matrimônio, ministério ordenado, vida consagrada, etc); independente da escolha feita, toda pessoa é chamada a um autêntico compromisso com a pessoa de Jesus e seu Reino.

Nós também, Irmãs Paulinas, nos dispomos a acompanhar você, jovem, que deseja fazer um caminho de discernimento vocacional.

 

Ir. Aguida Maria Puel, fsp